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Um brinde à farsa de Woodstock!


Por Ugo Pate Medeiros e Gleiner Vinícius Costa

Escrito em 2009, reeditado em 2017

“Conheci muita gente que participou de Woodstock. Se queixaram do som ruim, do excesso de pessoas, do cheiro de fezes e urina, mas que, maconhados, acabaram achando tudo bom. Mas o efeito real de Woodstock foi impor o rock às gravadoras”, escreveu Paulo Francis à Folha de São Paulo em 1989. Nunca pensei que um dia citaria o velho conservador em um artigo de rock. Eis que esse dia chegou. Ultimamente, as grandes mídias têm reservado a parte de cultura, que já é pequena, com matérias sobre os quarenta anos de Woodstock. Infelizmente, nesse país sem tradição roqueira em que Blitz é considerado rock e Carlinhos Brown é atração do Rock in Rio (maior festival brasileiro), é de se esperar que essa cobertura musical seja fraca e extremamente previsível. Páginas e páginas de pura inutilidade jornalística abordando apenas o óbvio. Houve até entrevistas com convidados inusitados, como a do comentarista de futebol Casagrande. Perde-se um valioso espaço para celebrar o senso comum. A mídia brasileira aparenta um fetiche à ignorância e à preguiça, e isso fica claro na falta de conhecimento sobre o estilo musical e na investigação histórica insuficiente, sem falar na falta de leitura dos envolvidos. Enfim, um verdadeiro mau gosto. Assim como o público “maconhado”, o jornalismo brasileiro demonstra estar dopado sob fortes medicações que o impede de raciocinar. Ao contrário do que circula nos grandes veículos de comunicação, o Woodstock Music & Art Fair não foi uma celebração contracultural em prol da paz e liberdade. “Paz” e “liberdade” foram apenas fantasias para disfarçar o verdadeiro objetivo do festival: lucro à indústria fonográfica. De quebra, talvez como brinde, o evento também celebrou a morte da contracultura norte-americana e marcou o nascimento do espetáculo no rock. O estilo musical se tornaria, dessa forma, inofensivo e bastante proveitoso (leia-se lucrativo). Um ano depois, com o sucesso do documentário dirigido por Michael Wadleigh, Woodstock, o rock seria facilmente domesticado e perderia seu caráter original de contestador e “anárquico”. Vale à pena mencionar, rapidamente, que o punk, como um subestilo, retomou a tradição contestadora, mas infelizmente teve vida curta até o seu corrompimento (em parte) pela grande indústria (salvo algumas exceções). A Contracultura Primeiramente, é válido determinar e entender o que seria contracultura, para, então, traçar o contexto que os Estados Unidos viviam. A contracultura foi uma tentativa ideológica anti-establishment, originalmente criada nos EUA, ao final dos anos 50, e na França, em 68. Segundo CASTRO, este movimento foi “(...) um grande sonho coletivo, de uma poderosa utopia de transformação social, características de um tempo em que se acreditou em quebrar antigos padrões e introduzir, criar, novos valores, em que a vida livre encontrava a sua celebração. Rompendo sem querer romper, esses artistas-pensadores insuflaram a cultura mundial com um sopro vital ao mesmo tempo de destruição e criação (CASTRO in ALMEIDA e NAVES, 2007, pág. 13)”. Esse movimento pregava a estética da ruptura, ou seja, a busca pela “verdade”. Esta não seria o próprio desvendamento, mas, sim, o meio de se tentar chegar a ela. E apenas semeando a discórdia em relação ao senso comum, chegar-se-ia a este objetivo. Como diria Platão, a busca seria através da primeira etapa do pensamento filosófico: o questionamento (MEDEIROS, 2008). “A verdade, compreendida como revelação, tem sua morada na materialidade da linguagem e das formas artísticas, e espera a interpretação inovadora que a faça reaparecer em um relampejar messiânico. Longe de ser um conhecimento que intenciona encontrar cada coisa a sua classe ou o seu gênero, ela é um conteúdo inseparável da forma: a violência sublime que, ao destruir toda completude ilusória, suscita precisamente o experimento da perda, da evasão, a experiência da própria origem da linguagem e da arte que coloca em xeque a pretensão totalizante do discurso (CASTRO in ALMEIDA e NAVES, 2007, pág. 23)”. A sociedade baseada na organização pelo Estado-nação, repressor por natureza, pregava uma dominação via alienação cultural. Assim, o principal objetivo desse movimento (contra) cultural era o rompimento dos horizontes, extrapolar o pensamento imposto pelo Estado e a ideologia consumista do poder privado (ao mesmo tempo em que todos esses estavam a salvos da exploração do comunismo, diga-se). Os representantes e principais líderes dessa “escola” sabiam que a dominação via cultura era a forma mais eficaz de controle. A contracultura queria romper. A revolução não seria através da política, como muitos pregavam naquele período bipolar de Guerra Fria; mas, sim, da cultura. “A poesia tem um caráter duplamente ‘revolucionário’: primeiro porque vai contra o mundo-mercadoria que cada vez mais domina a face do planeta, e seu caráter lúdico torna-se transgressor: ela não pertence à lógica e ao mundo da compra-e-venda. A poesia é gratuita, ‘não tem finalidade’, sua utilidade é sua in-utilidade: mostrar ao mundo da produção e do consumo sua contra-face, oculta, sufocada – o mundo da imaginação e da sensibilidade, ‘incontrolável’ mundo dos sentimentos do qual a razão nunca vai tomar posse. Como disseram grandes poetas e escritores que sofreram nas prisões, a única coisa que nunca pode ser aprisionada é a imaginação. E a imaginação pode nos proporcionar a poesia mais profunda, as viagens mais alucinantes; mesmo na clausura mais recôndita do mundo (HAESBAERT, 2002, pág. 147)”. O começo dos anos 1960 foi marcado por uma nova onda, o LSD. Aldous Huxley escreveu sobre as possibilidades trazidas pelo ácido lisérgico. Timothy Leary, que mais tarde faria participações em gravações de algumas bandas, como a alemã Ash Ra Tempel, pregava o uso do químico para fins médicos e tinha o lema “Turn on, tune in, drop out” (“ligue-se, entre na onda, caia fora da sociedade”). “Ken Kesey, o beatnik Neal Cassidy e o pessoal do The Merry Pranksters propagavam o uso de LSD. O pessoal chegou a usar um ônibus escolar de 1939, pintando tudo com cores berrantes e durante uma viagem de São Francisco a Nova Iorque espalharam a ‘droga da felicidade’ pelo país. Ao longo do caminho, cruzaram com Allen Ginsberg, Jack Kerouac e Timothy Leary” (ARAÚJO, 2006, nº11, pág. 11). Era uma efervescência cultural que atacava os antigos costumes e comportamentos daquela sociedade em crise política (confronto no Vietnã) e social (questão racial). As barreiras da percepção e concepção de mundo eram expandidas. Os EUA mudavam. O mundo nunca mais seria o mesmo. A tentativa de transformar a sociedade e transformar o cotidiano urbano em uma grande experiência psicodélica transcendental através da literatura, meditação oriental e drogas lisérgicas, marcou a cidade de São Francisco. Os jovens adeptos desse retorno à uma vida mais simples, negavam a imposição ao mundo “coisificado” pelo valor mercantil. Norte-americanos de todas as partes do país destinavam-se à Haight-Ashbury (São Francisco) com a certeza de que lá seriam capazes de viver da subsistência, onde o câncer do capitalismo e o Estado autoritário comunista não destruiriam a mente do ser humano. Todos poderiam viver em paz, escutando jazz, rock e fumando maconha. A explosão psicodélica, em 1966, trouxe uma nova perspectiva das artes. “Os happenings estavam indo além de meras experiências sonoras. 1966 marcou também a explosão da cena West-Coast norte-americana, onde a contracultura, literatura underground, mensagens pacifistas e um modo de vida oposto ao american way of life eram embalados com muito LSD, sempre tendo trilha sonora as maravilhosas bandas locais” (ARAÚJO, 2006, nº13, pág. 13). Naquele contexto, algumas bandas ganhavam gradativa fama e atenção do público da região. Inicialmente, a cena musical era composta por bandas interessantes que apresentavam-se em festas e grandes salões abandonados. A lista é bem grande, eis algumas: Country Joe & The Fish, The Charlatans, The Beau Brummels, The Great! Society, Quicksilver Messenger Service, The Stained Glass, The Chocolate Watchband, Moby Grape, Love, etc. As bandas mais relevantes, que alcançaram maior maturidade musical e sucesso comercial, foram o Big Brother & the Holding Company (da onde saiu Janis Joplin), o Grateful Dead, Jefferson Airplane, Santana e Mothers of Invention (banda liderada pelo genial Frank Zappa). Essa geração formou o som de São Francisco. A experiência do psicodelismo e da subsistência ganhava força, principalmente durante o Summer of Love, 1967. Festas, sexo livre, experimentações e shows gratuitos nos parques: era um sonho coletivo. Mais do que isso, era uma viagem sem bad trips. O ano também marcou a criação do mais importante veículo de comunicação daquele novo segmento jovem, a revista Rolling Stone Magazine, que em pouco tempo ganharia leitores por todo o país, difundindo por todo o território norte-americano o que se passava por terras californianas. “No verão do amor, o Human Be-in em São Francisco marcou época. 20000 ‘friques’ unidos no Golden Gate Park. Sabadão ensolarado, LSD, poesia beat e shows com as melhores bandas locais como o Grateful Dead, Jefferson Airplane, Quicksilver Messenger Service, Country Joe & The Fish e muitos outros. Esse foi o marco zero do hype sobre o ‘Frisco Sound’” (ARAÚJO, 2006, nº11, pág. 11). As primeiras marcas daquela nova subcultura logo ficariam expostas por aquele lugar. Lojas com produtos típicos, como insenso, roupas indianas, revistas undergrounds e alguns produtos ilícitos ocupavam os velhos casarões de Haight-Ashbury. Rapidamente, um grande evento, trazendo aquela nova cultura pop, foi organizado nos arredores de São Francisco naquele mesmo ano, o Monterey Pop Festival. Esse pioneiro festival de rock, contou com a nata das bandas daquele período e, diga-se de passagem, foi um evento sem fins lucrativos, onde todas as bandas tocaram de graça (com exceção de Ravi Shankar e The Mamas and the Papas). “Em pleno ano de 1967, quem foi ao festival curtiu uma grande feira, onde eram vendidos comida macrobiótica, artesanato, jóias, pôsteres, flores, amuletos e outros badulaques. Havia também um auditório, onde as pessoas podiam assistir numa tela o que rolava no palco, isso através de um moderníssimo circuito fechado de vídeo. Outra atração futurista era a Moog Exhibit, uma demonstração dos sintetizadores Moog, que funcionava para os hippies como uma espécie de ‘alucinação auditiva’”(ARAÚJO, 2007, Edição Especial nº1, pág. 16). Apesar de ter sido estereotipado como o evento dos “malucos da California” e por ter a canção-tema São Francisco (be sure to wear flowers in your head), interpretada por Scott Mackenzie, o Monterrey Pop Festival é o verdadeiro encontro da contracultura, ainda com seus valores intactos. Vale lembrar que foi a ocasião em que artistas como Jimi Hendrix, Janis Joplin e Otis Redding ganharam notoriedade. Porém, a partir do final daquele ano, o mesmo que começou de forma tão mágica, muitas dessas bandas foram seduzidas pelos dólares das grandes gravadoras e junto com o sucesso dessas bandas, aumentavam suas casas (mudando-se das casas coletivas) e coleções de carros de luxo. Produtos típicos daquela tribo, vestimentas exóticas e insensos, passam a ser vendidos em lojas patenteadas por todo o território norte-americano, a violência em Haight-Ashbury aumenta e as drogas “puras” para expandir a mente são falsificadas e vendidas através do crescente tráfico de drogas. “A taxa de criminalidade de Haight aumentou, em parte por causa do uso de heroína e anfetaminas e, em parte, pelo número de pessoas pobres que largaram o segundo grau e que, ao contrário dos jovens mais abastados que tinham largado a universidade nos anos anteriores, encontraram dificuldades para sobreviver. Em 6 de outubro de 1967, uma multidão carregava um caixão em uma passeata pela Haight Street, numa cerimônia simbolizando a morte da cultura hippie. Entretanto, a comunidade não desapareceu da noite para o dia, e enclaves da contracultura da Haight continuaram a pipocar por todos os Estados Unidos. Não muito atrás estava a Madison Avenue [nota: parte rica de São Francisco], que usava os símbolos e artefatos da contracultura em suas propagandas (FRIEDLANDER, 2006, pág. 282)”. Aos gritos de “Os hippies morreram, vivam os homens livres!”, um novo tipo de organização nascia, a Youth International Party (YIP). Essa entidade representava a politização dos ex-hippies, uma Nova Esquerda, avant garde. A esfera cultural era substituída pela política e autores da geração beat pelo marxismo. Era o fim daquela contracultura norte-americana. Mas, afinal, o que foi Woodstock? “1967 foi o ‘ano da flor’, um ano de ênfase cultural. As grandes manifestações de massa de 1968 foram principalmente políticas. E em 1969 observou-se uma convergência político –cultural, culminando em Woodstock” (MUGGIATI, 1973, pág. 26). Concebido como um evento meramente mercadológico e embalado em uma desculpa pacifista, Woodstock elevou (ou rebaixou) o rock a um patamar inimaginável. O badalado evento, que causou um caótico congestionamento pelas rodovias do país, ganhou proporções continentais. Todo jovem norte-americano, hippie ou não, queria participar daquilo que propunha mudar o mundo. “Três dias de música, paz e amor”. Apenas três dias, depois disso todos voltariam para suas casas com o rabo entre as pernas e continuariam com suas vidas medíocres e sem graça. As bandas, diferentemente de Monterey, ganharam cachê e lutavam pela participação, já que aquela seria a oportunidade certa de ganhar renome internacional. Os shows em locais públicos eram trocados por caros ingressos (justiça seja feita ao Grateful Dead, que nunca deixou de realizar shows gratuitos. Não é de se assustar com o fato da banda ter um grande número de seguidores). Era contraditório o fato das bandas protestarem contra os valores norte-americanos, se eles mesmos o afirmavam indiretamente: “O rock pode ter vindo da rua, mas separando você dos músicos existem bilhões de dólares; algumas gravadoras também têm contratos com o governo e ou ganham com a cultura jovem antibelicista, ou ganham matando na guerra” (MUGGIATI, 1973, pág. 76). Woodstock foi pago. Ok, Monterey também, mas a proposta era outra. Woodstock foi a primeira mega-produção de rock exportada para o resto do planeta (levando-se em conta que a ascensão meteórica de Elvis Presley foi restrita aos EUA e Inglaterra). Monterrey foi um evento de menor aglomeração, já Woodstock foi faraônico, foram vendidos 100 mil ingressos, mas calcula-se em torno de 500 mil presentes. Monterey trazia o frescor de uma geração sedenta pela arte, Woodstock trazia curiosos antropofágicos que consumiam culturas estilizadas pelo main stream. Monterrey contou as principais bandas no auge, exemplos de Jimi Hendrix, Janis Joplin e 13th Floor Elevator; Woodstock apresentava shows mal equalizados e artistas consumidos e esfacelados pela selvagem relação com a indústria fonográfica. É evidente que Woodstock teve alguns belos concertos, tais como Sly & the Family Stone, Crosby, Stills, Nash & Young e Canned Heat, mas no geral foi um engodo marketeiro para as grandes gravadoras. Dizem que o Led Zeppelin recusou a oferta de tocar no festival, pois teria achado a proposta uma palhaçada. FINALMENTE essa banda marcada por atitudes imbecis, declarações bestas e por acareações desproporcionais por parte da mídia (apesar de ser musicalmente quase perfeita) pensou certo. Woodstock foi a concretização da domesticação do rock. E, desde então, esse estilo musical sofre reflexos em sua essência e estrutura. Brindemos à morte do rock espontâneo, à ignorância cultural e ao mercado, pois sem ele não somos felizes... Cultura do espetáculo e o american way of life Após o sucesso comercial de Woodstock os comandantes da indústria fonográfica viram o quanto o rock tinha muito a lhes oferecer. A transição do rock como grande negócio não acontecera apenas em 1969. Afirmar que o festival foi o responsável por isso seria de uma grande irresponsabilidade histórica. “Pode-se medir o poder do dinheiro jovem pelas vendas de discos nos EUA, que subiram de 277 milhões de dólares em 1955, quando o rock apareceu, para 600 milhões em 1959, e 2 bilhões em 1973 (HOBSBAWM, 1993, pág. XXIX). Cada membro do grupo etário de cinco a dezenove anos, nos EUA, gastava pelo menos cinco vezes mais em discos em 1970 do que em 1955. Quanto maior o país, maior o negócio fonográfico: jovens nos EUA, Suécia, Alemanha Ocidental, Países Baixos e Grã-Bretanha gastavam entre sete e dez vezes mais por cabeça que os países mais pobres, porém em rápido desenvolvimento, como Itália e Espanha (HOBSBAWM, 1994, pág. 322)”. Entretanto, procuro frisar que Woodstock ajudou na mutação do rock como grande negócio para um entretenimento espetacular das grandes corporações. O espetáculo, termo criado pelo francês Guy Debord, em 1967, representa uma série de medidas que o sistema faz para fetichizar e aumentar o consumo. Minha intenção é utilizar esse termo e mostrar como ele foi absorvido pelo mercado fonográfico. O espetáculo é uma relação social entre pessoas, mediada por imagens. É a representação do mundo materializado, uma visão demasiadamente objetiva. Infelizmente, a realidade contemporânea surge no espetáculo e o espetáculo é mais real do que nunca. “O espetáculo é o herdeiro de toda a fraqueza do projeto filosófico Ocidental” (DEBORD, 1967). O ser humano, perdido em meio às frustrações, consome imagens e estas são artificiais. O sujeito abandona a relação com o sagrado e o orgânico para viver com o pseudo-sagrado. Isso é o espetáculo, a dominação do homem pela mercadoria. “O consumidor real torna-se consumidor de ilusões. A mercadoria é essa ilusão efetivamente real, e o espetáculo é sua manifestação geral” (DEBORD, 1967). Esse consumo de espetáculos roqueiros potencializou-se após o grande festival. “Criou-se a Woodstocklogia, ramo do conhecimento dedicado ao estudo exclusivo de Woodstock e, dos negócios destinado a fazer com que as pessoas consumissem Woodstock: em disco (um álbum de 3 LP’s, sucesso de vendas, seguido por outro de 2 LP’s), no cinema (com o filme multimilionário de Michael Wadleigh), em camisetas, edições (livros, revistas, álbuns, fotografias), etc” (MUGGIATI, 1973, pag. 27). As bandas, que antes tocavam em garagens ou casas modestas, ornamentavam suas apresentações com artes independentes. Após o novo boom do rock pós-69, efeitos pirotécnicos, shows de lasers e uma série de parafernálias tornaram-se comuns nesse meio. Isso tudo não foi de graça, quem sentiu na pele (ou melhor, no bolso) foi o público, que, além de consumir a música, consumiria “coisas” agregadas à apresentação. Um dos grupos que mais utilizou incrementos técnicos para construção de um espetáculo, foi o Led Zeppelin. “De 1972 a 1975 a banda ganhou a estrada. Suas turnês continuavam a ser recordes de público e arrecadação, em parte pelas táticas visionárias de Peter Grant [nota: empresário da banda]. Para a turnê de 1972, o Zeppelin decidiu oferecer aos organizadores locais 10 por cento da renda em vez dos habituais 40 ou 50 por cento. A banda alugou estádios, criou uma campanha promocional e contratou promotores locais para desenvolvê-las. Valeu o risco. Excursionando ao mesmo tempo que os Rolling Stones – e apesar de estes terem conseguido notas positivas na imprensa - , o Zeppelin tocou para platéias maiores. Para a turnê americana de 1973, quando Houses of Holy foi lançado, o Zeppelin contratou um novo jornalista e uma empresa de iluminação e com chamada Showco; o espetáculo de luz, que utilizava globos, canhões, refletores giratórios, gelo seco, foi considerado de primeira categoria” (FRIEDLANDER, 2006, pág. 340). Um exemplo mais recente, e que me toca muito, é a turnê mundial do ex-integrante do Pink Floyd, Roger Waters. Um espetáculo computadorizado, com telão high tech, lasers, fogo, porco voador, animação, etc. Uma banda composta por quase quinze músicos deixava o som quase igual à gravação original do disco. Eu gostaria de ver um show mais humano, um som mais cru e com menos músicos. O show era artificial, apesar de ser tecnicamente perfeito. Um produto caro, mas bom para ser degustado. Mercadoria. Às vezes cabe a pergunta: e quando falaremos de música? Sinceramente, a música virou mero detalhe, haja vista a quantidade de inúteis que temos nesse meio. O importante é transmitir a mensagem. Que mensagem? Não nos esqueçamos que o mundo era bipolar e havia uma disputa pela hegemonia mundial entre capitalismo e comunismo. Após a espetacularização do rock, o governo norte-americano deixou de enxergá-lo como música de protesto e como um mau sintoma da sociedade, para usá-lo como principal ferramenta de divulgação do american way of life. “O blue jeans e o rock se tornaram marcas da juventude ‘moderna’, das minorias destinadas a tornar-se maiorias, em todo país onde eram oficialmente tolerados e em alguns onde não eram, como na URSS a partir da década de 1960 (Starr, 1990, capítulos 12 e 13). Letras de rock em inglês muitas vezes nem eram traduzidas. Isso refletia a esmagadora hegemonia cultural dos EUA na cultura popular e nos estilos de vida, embora se deva notar que os próprios núcleos da cultura jovem ocidental eram o oposto do chauvinismo cultural (HOBSBAWM, 1994, pág. 320)”. Woodstock e sua construção megalomaníaca rodou o mundo através dos cinemas e ganhou adeptos distantes que sonhavam estar lá. Sonhavam, mas também consumiam. São quarenta anos de festival e sabe o que foi anunciado para “celebrar” a data? Uma nova série de CD’s com algumas das apresentações. Surpresa? Não, nada mais coerente. E o legado de Woodstock? As principais conseqüências de Woodstock foram a domesticação do rock e o aumento do valor agregado aos produtos, como já foi dito. Posso dar alguns exemplos. O primeiro, um depoimento de Bill Graham (um dos maiores empresários do rock). Em 1971, “Disse Bill Graham [nota: Grande empresário do rock] ao anunciar o fechamento [nota: Referindo-se aos fechamentos de Filmore West e East, dois dos maiores templos do rock]: ‘quando começamos em 1965, eu lidava com “músicos” sindicalizados. Agora só lido com “executivos” e “acionistas” de grandes corporações – com a única diferença de que usam cabelos compridos e tocam guitarra. O rock está se tornando uma General Eletric, uma Pacific Gas & Eletric’. Alegando que sua motivação principal nunca foi o dinheiro, Graham acrescentava: ‘A inflação irracional e quase destrutiva dos concertos ao vivo foi por mim denunciada. Dois anos atrás, adverti que o síndrome do Festival de Woodstock seria o começo do fim. Eu estava com a razão... Continuo a deplorar a exploração das gigantescas salas de concerto, muitas delas cobrando ingressos altíssimos. Quando um grupo me pede $5000 por um concerto, eu posso cobrar $3 ou $4 por ingresso. Mas se me pedem $30000, $40000 ou $50000, não tenho outra saída senão aumentar o preço do ingresso’" (MUGGIATI, 1973, pág. 75). Se dentre os vários equívocos de Woodstock, algo deu certo (mesmo tendo tudo para der errado) foi a calma entre as centenas de milhares de pessoas. Infelizmente, o mesmo não pode ser dito em relação ao Altamont Festival. Enciumados por não serem chamados para o festival de meses antes, os Rolling stones produziram um mega festival. O evento, mal organizado e que atraíra uma multidão de quase meio milhão de pessoas, foi um desastre do começo ao fim e teve até morte. E tudo isso apenas para provar que Mick Jagger e companhia eram os maiores nomes do rock. O estilo “mega” de Woodstock virara sinônimo de poder entre as bandas mais poderosas. Essas cenas podem ser vistas no DVD Gimme Shelter. Outro exemplo é o quebra-pau durante o Festival Express, 1970, ocorrido no Canadá. Tratado como o “Woodstock canadense”, o evento itinerante levou o público à ira devido ao preço da entrada. Vale a pena assistir este documentário e ver a relação músicos/produtores/público. É bom observar a cobertura dentro do trem, onde os músicos são tratados como celebridades. Não que já não fossem altamente reconhecidos, mas até então esses festivais funcionavam de forma que a grande banda participava de um evento em que o público era o mais importante. Após o Woodstock, o músico ficou maior, evidenciando o que Lester Bangs chamava de fetichização do super star. Um exemplo recente, que serve para mostrar o quão poderoso foi o efeito Woodstock. 13 de julho é o Dia Internacional do Rock. Para celebrar essa data, organizaram um show gratuito do Cachorro Grande nos Arcos da Lapa. Eu respeitava a banda pelas boas influências que os integrantes tiveram em suas respectivas formações musicais. Pois bem, chegamos ao local e fomos tomar uma cerveja. A apresentação iniciara. Ao terminarmos a bebida, nos encaminhamos pra ver o show, afinal era o dia do rock. Para nossa surpresa, após 4 (quatro) canções aqueles farsantes encerraram. E ainda teve uma alta dose de cinismo ao gritarem “Viva o rock!”. Viva o Rock? Que rock? No Dia Internacional do Rock, uma banda relativamente grande tem uma grande chance de tocar para um bom público, mas eles saem depois de 15 minutos? “Mas isso é coisa da gravadora...”, argumentam os mais ingênuos. O rock é rebelde por natureza e vai além de algumas palavras escritas e assinadas em um contrato frio e sem sentimentos. O espírito liberto do rock morreu e graças, em grande parte, ao Woodstock. Por Deus, ainda bem que ainda há nomes como Jello Biafra, um dos únicos que bateu de frente com o Office-rock (rock de terno e gravata)! Mas escrever sobre o Dead Kennedys fica para outra oportunidade. O efeito Woodstock foi tão avassalador que até John Lennon, um dos maiores publicistas do rock e um verdadeiro mala, falou sobre a morte dos ideais roqueiros. Em 1971, para o espanto de todos, Lennon desabafa em entrevista a Rolling Stone Magazine: “O sonho acabou! Com isso quero dizer que toda essa euforia de ‘poder jovem’ – mito da ‘nova geração’, enfim, se foi” (MUGGIATTI, 1973, pág. 72). Esse texto pode, provavelmente, pecar pelo radicalismo, mas sinceramente pouco me importa. Assumo que já fui um fã daquele espetáculo. Mas tive a sorte de ler essa passagem de John Sinclair. Essa fala é tão forte e consciente que não tenho coragem de escrever depois. Agradeço aos que leram. Encerro por aqui. Câmbio, desligo. “John Sinclair – poeta, fundador do grupo radical White Panther e de um grupo de rock, o MC5 – condenado a 10 anos de prisão por porte de maconha, escreve da prisão numa carta: ‘Muitos jornalistas falaram de Woodstock como sendo um campo de concentração hippie ou disseram que era possível entrar na onda se existisse um campo de concentração pra frente como aquele, onde cada um pudesse ficar na sua e não ter que aturar os gritos incríveis que existem no mundo. Não admira que os negros não tenham respeito por estes débeis mentais. Mas é nossa tarefa educar o povo, e isso precisa ser feito ou então é melhor chutar tudo pro alto e esquecer – pelo menos é assim que penso. Não quero ser parte de uma nação de imbecis que ficam sentados consumindo drogas e ouvindo discos medíocres. Isso me encheu pra vida. E os outros, os “políticos”, são tão medíocres quanto os hippies e sua cultura igualmente medíocre. Os discos que ouvem são ainda piores...” (MUGGIATI, 1973, pág. 27). Referências Bibliográficas: CASTRO, Claudia Maria de. “Ruptura e utopia: entre Benjamin e a contracultura”. In: “Por que não?”, organizado por Almeida, Maria Isabel Mendes de, e Naves, Santuza Cambraia. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2007. FRIEDLANDER, Paul. Rock and Roll: uma história social. Rio de Janeiro: Editora Record, 2006. HOBSBAWM, Eric. Era dos extremos. São Paulo: Companhia das Letras, 1994. MUGGIATI, Roberto. Rock - o grito e o mito. Petrópolis: Editora Vozes Ltda, 1973. DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo, 1967. MEDEIROS, Ugo. Críticas à sociedade norte-americana: uma leitura a partir do rock, 2008. ARAÚJO, Bento. Poeira Zine edições 11 e 13, 2006. _______________ Poeira Zine edição especial 1, 2007.

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