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Olho nele: Antonio Saraiva


O carioca Antonio Saraiva é um daqueles músicos que em um país com um mínimo de cultura teria reconhecimento. Fã de MPB, erudito, rock e todo tipo de música de qualidade, já gravou alguns discos, compôs trilhas sonoras para curtas (Síncope) e longas (Obra de Arte) e ainda compôs para grandes nomes da música brasileira, como Ney Matogrosso. Batemos um papo descontraído em um boteco juntos com algumas garrafas de Brahma. Conheça um pouco mais desse grande personagem da música brasileira. Ugo Medeiros – Como foi o início da sua relação com a música? Antonio Saraiva – Na década de 1960 a música estava no centro de tudo. O Sgt. Pepper’s dos Beatles mudava o mundo e aqui a MPB com Edu Lobo, Gilberto Gil e Chico Buarque colocava fogo na cena nacional. Nos anos 1970, quando eu era um adolescente, a música ainda era o fator agregava cada grupo. Economizávamos durante um mês para comprar um vinil importado e nos reuníamos na casa de alguém. Escutávamos durante horas o mesmo disco, era algo mágico. O que hoje é história, estava acontecendo naquele momento. Infelizmente, a música tornou-se mero artigo de consumo. UM – Quando você decidiu a virar músico profissional? AS – Aos quinze anos, vi um show do Gismonti. No meio da apresentação, ele fez um solo incrível. Nisso um amigo ao lado disse “por isso valeria morrer de fome”. Guardei aquela frase e, principalmente, aquele sentimento. Música é isso: uma emoção que se renova diariamente. O mundo é um saco, o que nos dá alegria é a música. UM – Você é um grande fã de progressivo, né? AS – Com certeza! Sou fã incondicional do Gentle Giant e King Crimson. O progressivo foi muito importante para o rock e a música em geral. Alguns falam que os anos 1980 foram os anos do rock. Isso não é verdade, pois lá atrás, nos anos 1960 foi quando o rock explodiu e mudou a cara da música. Havia uma exclusão entre o rock e a MPB, e quem estabeleceu um elo entre esses dois estilos aqui no Brasil foi justamente o progressivo: a energia do rock aliada à complexidade harmônica da MPB. Veja os Beatles: canções extremamente elaboradas e um espírito roqueiro. A coisa já estava lá... UM – Na hora de compor, o que você prioriza: harmonia ou melodia? AS – Depende de cada caso. Às vezes nem uso harmonia (como na música oriental, que é modal). Mas adoro também a harmonia tonal, que sugere sempre ricas melodias. Gosto da ideia do contraponto e da simultaneidade de elementos. Ao compor, penso de maneira de maneira orquestral. É uma porrada de coisa acontecendo ao mesmo tempo, entretanto acho que o meu disco não é complicado de ouvir. UM – Essa pergunta nunca pode faltar: qual o seu top5 de rock, jazz e MPB? AS – Essa é difícil. Deixe-me pensar. Acho que são os dinossauros mesmo, mas sem ordem... Rock: Jimi Hendrix, The Beatles, Rolling Stones, Led Zeppelin e Gentle Giant (ou Genesis). Jazz: Miles Davis, John Coltrane, Ornette Coleman, Bill Evans e Duke Ellington. MPB: Milton Nascimento, Pixinguinha, Tom Jobim, Egberto Gismonti e Hermeto Pascoal. UM – Você sempre fala que se o Hendrix estivesse vivo estaria tocando jazz. Fale um pouco sobre isso. AS – A Downbeat (tradicional revista especializada em jazz) escreveu certa vez “Hendrix, jazz musician”. Eles foram perfeitos. O jazz sempre foi o estilo da improvisação, uma invenção. O jazzista sempre está criando uma nova linguagem em algum instrumento. O Jimi Hendrix entra no cenário musical e muda tudo, assim como fizeram Miles Davis e John Coltrane. A base dele era blues, isso já diz tudo. No começo da carreira, em Londres, ele foi empacotado por aquela cena da pop culture da swinging London. Nas apresentações, ele transformava uma canção de cinco minutos em uma versão matadora de quinze minutos. A grande mudança musical do Miles nos anos 60/70 deu-se a partir do momento em que ele passou a ouvir Hendrix e Sly and the Family Stone. E o Miles, genial por natureza, sabia que o Hendrix era o cara, haja vista a homenagem que ele prestou ao guitarrista: tocar trompete com wah wah (pedal que modula entre agudo e grave). Miles tocou com grandes guitarristas, como John McLaughlin, Peter Cosey e Sonny Sharrock, mas nenhum deles tinha uma pegada semelhante ao Hendrix. A guitarra jazz é meio que um violão, onde se trabalham escalas e acordes, e o negão valorizava o som, o timbre. À vezes dava uma nota só com uma microfonia absurda e ficava genial. O Miles quando procurava uma guitarra para sua banda, a referência sempre era o Jimi. UM – Você foi citado como uma influência por uma compositora dos EUA. Conte melhor essa história. AS – Ela se chama Rachel Taylor Brown (Portland). Ela deu uma entrevista em um blog inglês. Elogiou o meu disco e me comparou com Charles Ives (músico do começo do século XX que usava até três orquestras tocando ao mesmo tempo em suas composições). Foi muito inusitado! UM – Como você vê o atual estado do mercado fonográfico? AS – A música sempre prossegue. Na década de 1960 ouvia-se Beatles em TODOS os lugares. Hoje em dia tem de tudo em todos os lugares, seja bom ou ruim. Graças à internet você pode ser fã de uma banda que apenas sete pessoas escutam. “O Brasil só escuta axé”, será mesmo? Antigamente para gravar um disco era necessário uma gravadora, você tinha que ser quase um Deus. Hoje em dia isso mudou. A relação público/músico é mais real/próximo. Cada época tem seu lixo e seu luxo. O jabá e o senso comum das gravadoras podem continuar, mas quem não se contenta poderá procurar outras coisas. UM – Então, o processo criativo não passa mais necessariamente pelo mercado? AS – Passa pelo mercado tal como conhecemos também. A questão é que atualmente temos mercadoS, dando mais possibilidades ao músico que não vai vender milhões de discos e tocar no Faustão. Mais uma vez recorro aos Beatles: eles tinham tudo para ser uma boy band. Felizmente virou algo experimental. A indústria ainda não sabia o que fazer, então dava liberdade total a eles. A Britney Spears pode querer virar uma nova Joni Mitchell, mas a indústria não permitirá. Ela teria, então, que optar entre riqueza ou satisfação pessoal... UM – Isso também pode trazer aspectos negativos? AS – Basta ver o funk carioca: virou necessariamente cultura das classes mais pobres. Fico me perguntando o que será depois de duas gerações que negaram a melodia? Não é uma crítica é apenas uma pergunta. Melodia virou “coisa de viado”, diz um amigo compositor. Será algo muito doido. A música está cada vez mais segmentada, podendo facilitar o isolamento musical ou o intercâmbio. Por exemplo, se você quiser escutar APENAS blues até o final da vida, conseguirá facilmente. Estamos entre a segmentação ou a mistura total. UM – Você compôs uma música, Vagabundo, que acabou virando nome de um disco do Ney Matogrosso. Conte essa história. AS – Fiz essa música há quase há vinte anos. Dois percussionistas que tocavam comigo nessa época (1991/92) agora são do grupo Pedro Luís e a Parede. Em 2003 Ney gravou um CD junto com esse grupo. Um desse músicos (Sidon Silva) apresentou a canção para o Ney, ele gostou, gravou a música e ainda batizou o disco de Vagabundo. Participei da gravação como músico e arranjador. UM – Quais os dez momentos musicais mais marcantes da sua vida? • A primeira vez que ouvi Larks' Tongues in Aspic, King Crimson. Pensei “Que filhos da puta...”. • A primeira vez que ouvi o Physical Graffiti, Led Zeppelin, no rádio. Eles tocaram o disco inteiro! • Ver o Peter Gabriel ao vivo em 1994. • Os diversos shows que vi na Concha Verde (Pão de Açúcar), como Art Blakey, Egberto Gismonti, Hermeto Pascoal, Luiz Eça e outros mais, ainda nos anos 1970. • Quando Hendrix morreu. Woodstock. Foi o meu primeiro disco, ganhei do meu pai. Foi um festival de música e não apenas de rock. • Toda vez que comecei a tocar um instrumento novo. • A primeira vez que toquei ao vivo, em 1975, em um festival do colégio. A banda amarelou e fui sozinho. Ao subir no palco pensei: “FUDEU!”. • A primeira vez que tive que fazer um arranjo encomendado para coro e orquestra. O show seria no Canecão. • Apresentações na França do balé que eu escrevi a música, Chegança e Orquestra. Vendi 400 discos na Europa em 3 dias, com o público comprando os discos na minha mão após os espetáculos!

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