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Entrevista Ian Siegal


Muitos perguntam se o blues ainda é rentável ao mercado, questionamento válido. Outros afirmam que a morte de ídolos como BB King atinge diretamente esse estilo e o deixa em posição de xeque, declaração essa mais perigosa. Agora, quem diz que o blues não tem mais artistas como os da geração de ouro, realmente, comete um grandíssimo equívoco. Bom exemplo de que essa música nunca perdeu o potencial criativo e segue firme, o inglês Ian Siegal apresenta o equilíbrio entre a tradição e uma pegada mais moderna. Nascido no interior de Portsmouth, o músico cresceu com o rock para depois chegar ao blues e gravou discos bem interessantes, casos de Meat & Potatos, Broadside, The Skinny e The Picnic Sessions. Porém é no trabalho acústico que Siegal se destaca. A fluência no violão acústico é para poucos e seu trabalho de delta blues beira a perfeição, basta conferir Man & Guitar (Live at The Royall Albert Hall, 2013). Senhoras e senhores, uma entrevista sincera com esta grata descoberta do blues.



Ugo Medeiros - Você é um inglês de Portsmouth. Cidades portuárias sempre têm uma maior diversidade, diferentes culturas em constante diálogo. Você sentiu isso durante a sua infância? Digo, a sua formação musical teve essa experiência cultural?


Ian Siegal - Cresci em uma pequena cidade nos arredores de Portsmouth, portanto eu não tive a experiência de viver em uma cidade, de fato, portuária. Fareham não tinha aquela típica diversidade de cidades portuárias. A minha formação musical veio através do rock and roll, eu era apaixonado desde a infância. Depois que eu descobri e virei um viciado em blues.


UM - O blues, evidentemente, é um estilo norte-americano, mas ganhou identidade própria na Inglaterra. Peguemos, por exemplo, o John Mayall que fez uma escola de músicos de blues, Eric Clapton, Mick Taylor, Peter Green, e influenciou a maioria dos guitarristas americanos dos anos 1960 e 1970. Você poderia falar sobre esse intercâmbio e as diferenças/semelhanças entre o blues inglês e o americano?


IS - Acho que aqueles ingleses foram os responsáveis por levar o blues DE VOLTA aos EUA. O blues estava bem morto no início dos anos 1960 em termos de vendas/ranking e sucesso. Entretanto, tenho que te dizer, eu não cresci escutando o blues inglês! Mas eu reconheço, foi graças ao blues inglês que eu tive acesso direto à fonte. Escutei e aprendi com muito Muddy Waters, Hownlin' Wolf, Charley Patton, Freddie King, BB King, Albert King, etc. Eu fui muito sortudo!


UM - Cara, eu vi um vídeo seu no youtube "In Concert at Fareham" (2013). Você sozinho, com uma violão acústico, simplesmente FANTÁSTICO! Sua fluência/domínio da guitarra soa como os bluesmen negros originais dos anos 1920/30...


IS - Obrigado, esse é o melhor elogio que eu poderia receber! Eu não concordo, mas te agradeço!


UM - Sua voz também me marcou demais, rouca e potente. Acredito que Hownlin' Wolf tenha sido uma grande influência, certo? Quais outros nomes influenciaram a sua forma de cantar?


IS - Wolf com certeza. Quando comecei a cantar aos dezesseis anos ia mais pelos caminhos do soul e R&B. Little Richards foi uma grande influência, Sam Cooke também, mas eu sei que a minha voz não chegava nem perto da dele! Tom Waits foi impactante quando eu tinha uns doze ou treze anos, eu tentava copiar o estilo dele quando mais jovem. Eu sempre tive uma voz meio rouca, ou pelo menos fazia com que ela soasse dessa forma. Mas aí veio uma idade em que ela ficou, de fato, bastante rouca! Nessa época eu tinha um maior controle e conseguia alternar os vocais, se é que isso faz algum sentido. Algumas pessoas têm UMA voz distinta que é a assinatura da carreira, penso em Frank Sinatra, Muddy Waters. Outras, na minha opinião, usam mais como um instrumento, como Mick Jagger, Bob Dylan, talvez o Prince, Taj Mal com certeza. Acho que estou nesse segundo grupo.


UM - Eu escutei a sua linda versão de John the Revelator, Blind Willie Johnson. Acredito que ele também tenha sido importante na sua formação, né? Você poderia falar um pouco sobre a canção e sobre o bluesman?


IS - Ele foi importante junto com tantos outros, mas eu não diria que foi um dos mais importantes na minha formação. Acho que escutei essa música pela primeira vez através do Son House, este realmente eu ouvi demais. Apenas depois entrei em contato com o Blind Willie Johnson. A canção é muito forte, claro. Eu lembro dos cabelos longos no meu pescoço quando a escutei! Anos depois li o Livro do Apocalipse [The Book of Revelations] e desenvolvi minha própria canção, chamada Revelator (John the Apostle), embora só tenha semelhança com a antiga canção de Willie Blind em título. Mas, é claro, sua influência está lá.


UM - O disco The Skinny foi gravado no sul dos EUA e contou com a produção do Cody Dickinson (North Mississippi Allstars), além da participação dos Youngest Sons. Você poderia falar sobre o disco e essas participações?


IS - A ideia pipocou através um encontrou, em algum lugar de Los Angeles, entre o meu empresário Richard e o Cody. O meu amor pelo hillbilly country aflorou e acabaram armando uma reunião entre mim e o Cody. Eu voei para o Mississippi, nos acertamos e concordamos em fazer o disco. Eu já era fã do North Mississippi Allstars, do R.L. Burnside e do Junior Kimbrough. O Cody teve a ideia de trazer o R.L. Burnside e o Jr. Kimbrough, sem falar na vinda do incrível Rodd Bland para a bateria (filho do Bobby Blue Bland). Eu fiquei um pouco intimidado mas eles me deixaram tranquilo e relaxado. Nós não chegamos a ensaiar, apenas tocamos e gravamos o grosso das músicas em dois dias.


UM - O seu álbum Picnic Sessions também contou com participações de peso pesados, os irmãos Dickinson (Cody e Luther), Jimbo Mathus e Alvin Youngblood Hart. Você poderia falar um pouco sobre o álbum?


IS - A coisa simplesmente aconteceu! Estávamos todos tocando no North Mississippi Hill Country Picnic e no dia seguinte tivemos folga. Fomos ao Zebra Ranch e fizemos tudo em uma tarde! Eu conheci o Jimbo alguns dias antes, Cody e Luther sempre diziam que eu e Jimbo deveríamos nos conhecer porque éramos "gêmeos cósmicos". Eles sempre diziam que nós nos amaríamos ou nos detestaríamos. Por sorte foi a primeira opção. Estranhamente, Jimbo tocou no disco Sweet Tea do Buddy Guy, justamente o disco que reavivou meu interesse pelo hill country blues. Mundo pequeno, não?


UM - Sobre o Alvin, como você o conheceu? Eu sempre o coloco, ao lado do Corey Harris, como o grande nome do blues atual. Você concorda?


IS - Com certeza, e ambos foram grandes influências no meu trabalho acústico. O Alvin apareceu no estúdio durante as gravações de The Skinny e se ofereceu para cantar e tocar. Ainda se ofereceu para tocar baixo na minha banda durante a turnê europeia. Eu simplesmente não acreditei! Eles são grandes bluesmen, também fazem um trabalho mais inovador com maior diversidade musical. Eles são mestres em qualquer estilo que eles tocarem. O Alvin ama o rock inglês e irlandês.


UM - Você gravou ao lado do Jimbo Mathus, em 2016, Wayward Sons. Primeiramente, você poderia falar sobre o disco? O Jimbo é desconhecido aqui pelo Brasil. Você poderia apresentá-lo ao público brasileiro?

IS - Nós nos demos tão bem que logo planejamos uma turnê juntos e foi um sucesso. Ano passado fizemos quarenta shows em 42 dias, em sete países diferentes! Nos divertimos demais tocando juntos. Novamente sem ensaios, apenas vimos quem assumiria os vocais principais e os vocais de apoio em determinadas canções. Eu amei cada segundo, afinal, o Jimbo é um produtor/músico que já ganhou o Grammy. Como disse anteriormente, ele participou de um disco do Buddy Guy e também produziu gente como Elvis Costello. Ele cresceu ao lado dos Burnsides, Kimbroughs e Dickinsons e ainda é o líder da Squirrel Nut Zippers, banda que fez muito sucesso nos EUA durante os anos 1990 e no retorno há alguns anos. Ele é um compositor fantástico e um grande multi-instrumentista.


UM - Atualmente você vive na Holanda. Foi uma opção meramente pessoal ou teve a ver com a música? Os holandeses gostam muito de blues. Eles têm bandas como a Livin' Blues...


IS - Sim, eles realmente amam o blues. Eles têm diversos clubes de música ao vivo e muitos festivais. Mas, sinceramente, me mudei porque queria comprar um imóvel próprio. Passei os últimos vinte anos alugando e como Londres estava fora das minhas possibilidades, Amsterdã foi uma escolha óbvia. Basicamente, preciso apenas viver perto de um grande aeroporto. Poderia ser Berlim ou Paris, mas eu acho que tomei a decisão correta. Isso não afetou a minha agenda de shows, eu simplesmente volto para uma cidade diferente. Hoje a minha banda é formada por holandeses, sinceramente, eles estão um nível acima dos músicos ingleses, pelo menos na música mais raiz. Mas essa mudança foi estritamente pela aquisição de uma propriedade.


UM - Muito obrigado Ian! Espero te ver um dia tocando pelo Brasil. Deixo esse espaço para algum comentário final ou recado aos brasileiros.


IS - Espero muito, um dia, quem sabe, tocar no Brasil! Continuem com o apoio à música ao vivo!



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