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Entrevista Todd Albright


"Eu tendo mais para tecnologias analógicas, usando um microfone para o violão em vez de um captador e um amplificador". Pronto, em um impulso tipicamente aquariano, bato o martelo e digo, sem pestanejar, que já virei fã de Todd Albright. Apenas por esse comentário rasgo todo o protocolo que um entrevistador deve manter. Especialista no violão de doze cordas, Todd é um estudioso do country-blues, estilo bem rural, e ama nomes como Leadbelly e Blind Willie McTell. "O mais interessante em relação ao Leadbelly, ele é constantemente considerado um músico de blues, mas apenas uma pequena porção do seu repertório era realmente blues. Ele tocava tudo, desde o hillbilly branco a canções para dançar, coisas de folk, work songs, canções de pop e, claro, um pouco de blues".

Vivendo atualmente em Detroit, o bluesman deu uma aula sobre o country-blues, além de explicar as origens do ragtime e suas influências no blues. "(...) Esse estilo foi adaptado ao violão e pelos bluesmen do sudeste dos EUA, na Carolina do Sul e do Norte, Virgínia, Georgia. Por caras como Blind Blake, Rev. Gary Davis, Blind Willie McTell e Carl Martin", comenta Todd.

Recentemente gravou Detroit 12 Strings Blues & Rags pela Third Man Records, do incrível Jack White. O Disco é recheado de pérolas de quando blues e country ainda tinham certas semelhanças e apenas uma linha tênue os distanciavam. "As músicas que gravei para o meu álbum são todas canções que eu amo e tenho tocado ao vivo nos últimos anos, de LeadBelly, Gus Cannon, Willie Mctell, Skip James, George Carter e Frank Hutchison. Todas as músicas foram originalmente gravadas entre 1927 e 1935, um período de oito anos que foi muito crítico para a preservação da música folclórica pelas gravadoras mais comerciais da época".

O blues nunca morrerá, NUNCA. E em grande parte devido a gente como Todd Albright, que sempre busca inspirações seminais. Sua música é um delicioso cardápio do que há de mais fino e atraente, forte e bruto, na música rural americana.


Ugo Medeiros - Você é um bluesman que toca o violão de doze cordas. No violão de doze quem são as maiores influências? Blind Willie McTell, Barbacue Bob? Quem você considera o "rei" do violão de doze? É interessante, pois a maioria desses músicos eram de Atlanta, certo?


Todd Albright - Sim, muitos desses músicos do violão de doze eram de Atlanta, com a exceção de Leadbelly e um cara chamado Charlie Kyle, vieram respectivamente da Louisiana e do Texas. Acho que não há um único "rei" nas doze cordas, na minha opinião, existem alguns "reiS". Leadbelly, Blind Willie McTell, Barbacue Bob Hicks, George Carter, Charlie Kyle e Paul Geremia, todos esses caras são reis para mim.


UM - Ok, você é um músico de violão de doze, mas você descobriu o blues através do Robert Johnson certo? E você AMA o Leadbelly. Você poderia falar sobre o que foi a descoberta de Robert Johnson e a sobre a música de Leadbelly na sua vida?


TA - Bem, eu descobri o Robert Johnson ao final dos anos 1980, quando a Columbia Records e Larry Cohen lançaram a obra completa dele em um box de CDs. E, claro, isso me levou à descoberta de outros caras que musicalmente estavam relacionados ao Robert Johnson, nomes como Charlie Patton, Son House, Willie Brown e outros que vieram do Mississippi. Sempre fiz questão de ler os textos que vinham na contracapa dos discos, eu ia escavando a história da música e do povo que a criou. Ficavam perguntas como "onde esses caras aprenderam a tocar uma canção em particular?" ou " quem os ensinou a tocar assim, de tal forma, uma canção?". Sobre o Leadbelly, e ao quanto ele abalou a minha vida, passei a escutar, procurar e comprar todo disco de country-blues possível ainda quando era um adolescente. O mais interessante em relação ao Leadbelly, ele é constantemente considerado um músico de blues, mas apenas uma pequena porção do seu repertório era realmente blues. Ele tocava tudo, desde o hillbilly branco [N.E: estilo mais puxado para o country, bem rural] a canções para dançar, coisas de folk, work songs, canções de pop e, claro, um pouco de blues. Acima de tudo, Leadbelly era um entertainer e, justamente por isso, precisava saber diferentes estilos e canções para entreter quem quer que estivesse ali.


UM - Você também teve grande influência do ragtime. Primeiramente, você poderia explicar o que seria o ragtime? Depois, quem são as suas maiores influências no ragtime?


TA - Ragtime é a música clássica dos negros americanos, composta no piano por cavalheiros, como Scott Joplin, Eubie Blake e outros. Acho que o fator determinante, que faz o rag ser rag, é o tempo no qual é tocado. Sem ser tão técnico, é tocado um pouco atrás do tempo, dessa forma você está "ragging the time" da música. Isso ocorreu entre os anos 1880 até, provavelmente, o início dos anos 1900. Depois esse estilo foi adaptado ao violão e pelos bluesmen do sudeste dos EUA, na Carolina do Sul e do Norte, Virgínia, Georgia. Por caras como Blind Blake, Rev. Gary Davis, Blind Willie McTell e Carl Martin.


UM - Além do jornalismo, sou professor de geografia, gosto de estudar a cultura, o território, a história. O blues tem uma grande raiz na África, evidente, mas também tem muito de tradição europeia. Tipo, os spirituals vieram da Irlanda e muitos bluesmen aprenderam a cantar na Igreja. Você poderia falar sobre essa miscigenação cultural?


TA - Até onde eu sei, o blues é originalmente uma expressão artística afro-americana, a raiz veio da África como resultado do mercado escravista. Tradições como música, instrumentos, espiritualidade e danças de grupos como o Yoruba [N.E: tradição subsaariana, estendendo-se da Nigéria ao Congo] foram levadas para a América. Escravização, isolamento geográfico e supressão cultural forçada causaram a essas tradições africanas remodelamentos e adaptações, elas foram diluídas. Novas tradições deram origem a religiões como o voodu de Nova Orleans e a instrumentos como o banjo, que tem origem africana.


UM - O que são Leis Jim Crow? Existem diversos blues que falam sobre isso...


TA - Jim Crow eram leis racista que vieram depois da abolição da escravidão, durante o período conhecido como Reconstrução. Essas leis foram adotadas pelos democratas sulistas para segregar a população e ter a certeza que os negros recém-libertos não tivessem inserção econômica ou poder político dentro da sociedade. Avisos de "Apenas negros" ("colored only") em salas de espera, restaurantes, hotéis, trens e entradas, bem como leis eleitorais injustas. Esse estado de coisas era o padrão e assim permaneceu até os Atos pelos Direitos Civis tornarem-se leis em 1965. Além do racismo institucionalizado, essas leis Jim Crow causavam efeitos diários indescritíveis como os linchamentos. Isso tudo causou traumas e sofrimentos enormes. Claramente, esse racismo inspirou muitas canções no blues. Todo esse período Jim Crow deixou uma marca negra na alma dos EUA.


UM - Você toca uma música bem vintage. Como você equilibra o vintage e as tecnologias?


TA - Todos aqueles músicos de blues de antigamente eram artistas de rua. Se tiver sorte o músico é contrato para se apresentar em uma pescaria no interior, ou em um piquenique ou para danças com um público, seja negro ou branco. Também pode tocar em pequenas pocilgas ("juke joints") e em outros bares do interior que servem bebidas e oferecem entretenimento. Entretanto, boa parte do trabalho é tocar nas esquinas. Era uma verdadeira luta ser ouvido nos ambientes que os músicos tocavam, é justamente quando entra a tecnologia. Os músicos procuraram os instrumentos mais altos (violões) que podiam encontrar, e é por essa razão que os violões de doze cordas eram bastante populares, assim como os violões resonator com corpo de aço de marcas como a National. E, claro, ao final dos anos 1930 a guitarra elétrica foi criada, junto com outras formas de amplificação. Isso sem falar daquelas primeiras tecnologias de gravação. A tecnologia sempre esteve presente, é uma questão de usá-la da melhor forma para você e o tipo música que você faz ou grava. Eu tendo mais para tecnologias analógicas, usando um microfone para o violão em vez de um captador e um amplificador.


UM - Eu o escutei dizer em um programa de rádio algo como "Graças à sífilis temos o blues". Poderia nos explicar?


TA - Ah sim, sífilis. Acredito que talvez eu estivesse falando sobre o motivo de tanto músicos cegos. Antigamente muitas crianças nasciam com sífilis congênita, podendo resultar em cegueira. Sobretudo se tivesse a infelicidade de ter nascido antes de 1947, antes da penicilina ser criada.


UM - Na mesma entrevista você falou sobre o John Hammond Jr. Concordo totalmente contigo, o cara é um gênio! Eu o entrevistei há um tempo, ele me contou quando tocou com o Clapton, Hendrix, The Band... Eu quase chorei! Você poderia falar sobre o John Hammond Jr. e o seu legado?


TA - Lembro de tê-lo visto pela primeira vez no início da década de 1990 em um lugar em Columbus (Ohio) chamado Staches. Ele foi incrível! Lembro de estar sentado e ver pela primeira vez alguém tocando slide daquele jeito. Claro, eu tinha ouvido isso em discos, mas ver aquilo, de fato, pela primeira vez foi marcante. E realmente não havia ninguém melhor naquilo do que ele. A coisa mais impressionante sobre isso é que, quase 30 anos depois, John ainda está tocando com a mesma pegada e energia daquela época. É como um terremoto em cada show! Simplesmente incrível!


UM - Escutei o seu álbum, Detroit 12 Strings Blues & Rags, no Spotfy. Discaço! Você poderia falar sobre o disco, digo, seleção do repertório, suas ideias musicais, etc...?


TA - O título Detroit Twelve String veio do meu amor pelo disco do Blind Willie McTell chamado Atlanta Twelve String lançado na década de 1970 pela Atlantic Records. Ele, originalmente, gravou as músicas em discos de 78 rotações na década de 1940. As músicas que gravei para o meu álbum são todas canções que eu amo e tenho tocado ao vivo nos últimos anos, de LeadBelly, Gus Cannon, Willie Mctell, Skip James, George Carter e Frank Hutchison. Todas as músicas foram originalmente gravadas entre 1927 e 1935, um período de oito anos que foi muito crítico para a preservação da música folclórica pelas gravadoras mais comerciais da época. Empresas como a Paramount, que agora reconhecemos como uma das maiores colecionadoras da música tradicional americana, um dos maiores arquivos do país. Em relação aos estilos, essas músicas vêm de diferentes regiões do sul americano, onde diferentes formações culturais refletem atributos musicais distintos. Tentei manter a integridade desses estilos dentro de cada uma das músicas. Meu objetivo sempre foi tocar de tal forma que, se os artistas originais escutassem, eles reconheceriam como suas.


UM - O disco é da Third Man Records, gravadora do Jack White. Como vocês entraram em contato? Ele é um dos meus artistas favoritos atualmente, ele toca todos esses clássicos do blues, do folk e da americana...


TA - Sou extremamente sortudo por ter assinado com a Thrid Man Records! Sob a perspectiva de um músico, é tudo muito honesto, impossível ser melhor. Fui convidado para tocar na inauguração de uma loja da Third Man Records em Cass Corridor, um bairro de Detroit. E o Jack White, grandíssimo fã do Blind Willie McTell, além de grande blueseiro, estava lá. Quando terminei, me perguntaram se eu queria gravar um disco. Além de eu ser presenteado por estar nesse selo, a Third Man Records contribui demais para que as novas gerações em todo o planeta escutem o country-blues.




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