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Olho nele: Ronald Sales


O Rio de Janeiro já foi a capital cultural do país, cidade que deu luz ao samba, à bossa nova e a grandes bandas de rock, como O Terço, Planet Hemp, A Bolha e o Barão Vermelho. Atualmente, além da crise financeira que assola o trabalhador e da total anarquia imposta por facções criminosas que impedem o ir e vir, a capital fluminense passa pelo triste processo de encolhimento do público roqueiro. Há tempos bandas internacionais trocaram o Aeroporto Antonio Carlos Jobim (Rio de Janeiro) pelo Salgado Filho (Porto Alegre), pelo de Confins (Belo Horizonte) ou até mesmo pelo Afonso Pena (Curitiba). Reflexos de más administrações, do total fracasso da Educação e do extermínio do estilo musical nas principais mídias cariocas.

Nesse cenário de terra arrasada, há quem se esforce - e não apenas o Coluna Blues Rock! - para reagrupar e despertar antigas e novas gerações roqueiras. Ronald Sales está nessa leva recente de profissionais que não se omitem nessa árdua tarefa, às vezes mais desgastante que os doze trabalhos de Hércules. "(...) Moramos no Brasil, país do Samba e do Carnaval - e no Rio de Janeiro, terra do “Funk Carioca”. Somos praticamente heróis (rs)! Não é para gerar polêmicas, mas, digamos, não é o local mais “amigável” para se fazer Rock porque é um espaço restrito e bastante disputado. O Rock já se tornou um estilo musical de nicho. Exige muita persistência e, principalmente, um certo “garimpo” a fim de achar seu público", desabafou.

Vocalista dos bons, influenciado por Chris Robinson, Steven Tyler e Paul Stanley, e guitarrista extremamente competente, Ronald é praticamente um faz-tudo da noite roqueira carioca. Lidera o power trio MIR (Made in Rock) com canções autorais, presta tributos a Pearl Jam, Nirvana e Chris Cornell e ainda se maquia para o projeto Dressed to Kiss. "O Show é o meu limite do chamado “banda cover”, tocamos mascarados e a rigor – remetendo ao álbum Dressed to Kill – sendo praticamente um trabalho teatral mesmo. Lá o objetivo é “sermos” o KISS durante o show", explicou Ronald.

Procure-o pelas redes sociais, faça um sacrifício - em tempos de pouco dinheiro no bolso, Lei Seca e violência descontrolada - e arrisque-se novamente em um show. A alma agradecerá pela música ao vivo de qualidade. Sair e assistir à apresentação de um artista é saudável e desperta o senso crítico. Saia da zona de conforto, desligue o Faustão e permita que o óbvio torne-se algo a mais.


Ugo Medeiros - Conheço um pouco dos seus projetos, quase sempre algo mais puxado para o hard rock com influências de classic rock. O que mais você escutava quando começou a se interessar pelo rock?


Ronald Sales – Interessante você citar o hard rock. As únicas influências que considero ter dessa leva de artistas é o Guns N’ Roses, que nem acho lá tão hard rock assim... Foi um grande fenômeno na época e até hoje se consagra como uma das bandas mais importantes de uma época. Além disso, têm as minhas influências como guitarrista, Steve Vai e Joe Satriani. Ambos pegaram um pouco daquele som característico em que solos mais técnicos “empesteavam” as bandas dos anos 1980. Fora isso, minha base musical é bem baseada no classic rock. Na verdade, eu me interessei muito cedo pelo rock por influência dos meus pais que sempre escutavam vinil ou rádio o dia todo. Eu ouvia Balão Mágico - é, eu era bem pequeno (rs) -, diversas de MPBs, como Toquinho e Vinícius, Maria Bethânia, Caetano, Marina, etc. Passando por artistas internacionais que tocavam no rádio na época como Stevie Wonder, Charles Aznavour, James Taylor, Carpenters - minha mãe escutava todo dia na hora da faxina (rs). Já o meu irmão mais velho escutava música "agitada”, Ultraje a Rigor, RPM e outras naquela onda. O rock sempre fez parte da minha vida de algum modo. Fato curioso: quando eu era bem pequeno também gostava muito de um tal John Lennon, tido como uma figura muito querida... e que o mataram, coitado! Gostava também outro, um desconhecido, Paul McCartney, que fazia ótimas músicas. Ouvia muito sobre uma banda chamada “Os Bitous”, deveriam ser bem famosos (rs). Só alguns anos depois descobri que John e Paul eram os tais "The Beatles", para mim foi uma grande descoberta (rs). Meu gosto musical sempre foi associado à memória afetiva e me sinto privilegiado por lembrar de tanta coisa legal.


UM - Te conheci através do Leo Torresini (guitarrista de blues). Vocês se conheceram através de redes sociais, certo? Ser músico de rock no Rio de Janeiro exige um espírito de guerrilha ao melhor estilo Do it yourself. Internet e as redes sociais ajudam, né? Como é a relação em uma época em que o carioca perde o costume ver música ao vivo?


RS – Sim! Nós interagíamos no Facebook. Sempre o admirei por fazer pesquisas profundas sobre o blues e suas mais variadas vertentes. Certo dia tivemos uma divergência saudável de opiniões sobre quem fazia rock melhor: americanos ou britânicos. A partir dali começamos a trocar ideias. Um dia postei um vídeo meu tocando Juice do Steve Vai e ele elogiou bastante. Depois disso ele me chamou para tocar com ele numa gig e até hoje nos divertimos bastante fazendo som juntos.

Sobre viver de Rock no Rio de Janeiro, moramos no Brasil, país do Samba e do Carnaval - e no Rio de Janeiro, terra do “Funk Carioca”. Somos praticamente heróis (rs)! Não é para gerar polêmicas, mas, digamos, não é o local mais “amigável” para se fazer Rock porque é um espaço restrito e bastante disputado. O Rock já se tornou um estilo musical de nicho. Exige muita persistência e, principalmente, um certo “garimpo” a fim de achar seu público. Como a grande mídia está cada vez mais longe das bandas ditas “independentes”, temos que fazer de tudo: promover, divulgar, gerenciar e, o mais importante, tocar. A internet se tornou praticamente o ÚNICO espaço para se fazer isso. As rede sociais facilitaram o contato entre o artista e o seu público, mas está cada vez mais difícil conquistar a atenção das pessoas por lá. A timeline do Facebook se tornou um verdadeiro fogo cruzado da histeria político-ideológica, os algoritmos praticamente te obrigam a expor opiniões para se tornar “visível”, a privacidade ficou comprometida - mesmo você não sendo “famoso” - devido a grande exposição da vida pessoal feita pela própria rede, lógico. Estes são os desafios.

Apesar de todas as dificuldades, a rede aproximou o artista de seu público. A interação é muito maior. Por mais que a grande maioria ouça sua música apenas pelos meios digitais, ainda existe o meio “físico” de conexão artista/público, mas isso mudou de foco. Ainda tem bandas que prensam certa quantidade de CDs, algumas pessoas compram mais para ter uma lembrança física da experiência. Mas o que cresceu bastante foi a procura pelos “souvenirs” como bottons, canecas, palhetas, camisas e outros assessórios com a marca da banda, uma vez que é possível escutar a música no streaming.


UM - Cara, você canta muito bem. Muito bem mesmo. Uma das minhas principais críticas aos músicos brasileiros é justamente em relação aos vocais, você sabe que tem muita gente que não tem a menor condição (não precisamos citar nomes!). Você fez aula de canto? Você toca umas notas no piano, né? Ter noções básicas de piano ajuda no desenvolvimento vocal? Quais as suas maiores influências no vocal?


RS – Nossa, muito obrigado! Sim, cantar bem pode ser relativo. Mas ultimamente tem se tornado relativo demais (rs)... Tive aulas de técnica vocal quando cursei Licenciatura na Unirio, tive uma ideia de como funciona a coisa toda além de exercícios para aquecer as pregas vocais, relaxamento, afinação e, principalmente, o cuidado com a garganta - afinal o Slash troca cordas, o Axl não...

Sobre o piano, sou apaixonado pelo instrumento! Tive uma certa relação de amor e ódio com os teclados em geral aos dezoito anos pois fui dispensado das aulas de piano por não evoluir. Mas na faculdade, de novo, aquela frustração se tornou uma das minhas maiores paixões. Considero o piano como o instrumento que todo musico deveria aprender em conjunto com qualquer outro, seja violão, flauta ou voz. Ele é completo, te dá uma noção visual muito mais clara de como as notas musicais se comportam em um arranjo, ajudando até na hora de inovar, sair do óbvio. Todo sistema musical ocidental passou pelo piano na hora de compor. É como um serrote para um marceneiro, é fundamental. Se você reparar bem, todas as minhas influências vocais tocam piano. Paul McCartney, Steven Tyler, Chris Cornell, Ritchie Kotzen, todos eles “gritam” bem. E pelo fato da minha extensão vocal ser diferente de todos os citados acima, tive que desenvolver uma técnica minha - que pode não ser novidade alguma - para alcançar notas mais agudas e certos drives moderados com conforto.


UM - A sua banda MIR (Made In Rock) é super legal! Vocês fazem um trabalho autoral de respeito, com pressão, bons riffs de guitarra. Fale um pouco sobre a banda, os integrantes, o repertório, os covers que nunca faltam, etc.


RS – Muito obrigado! Somos um power trio formado por Tiago de Castro (baixo), Pedro Moraes (bateria) e eu na guitarra e vocal. Nosso som remete às nossas influências dos clássicos dos anos 1960 e 70, do grunge dos anos 1990 e um pouco da psicodelia. Se fosse rotular, diria que somos uma espécie de “Grunge Psicodélico”. Nosso primeiro álbum, The Parallel Universe, foi produzido pelo Bruno Lima (Seu Cuca) no Estúdio Matilha e estamos trabalhando-o por um bom tempo. Trata-se de um álbum conceitual que retrata a história de um cara que conseguia acessar às situações mais inusitadas em realidades alternativas (os tais universos paralelos) através do poder da mente. É autobiográfico e traz certas lições para refletirmos o que realmente queremos da vida e o que realmente temos de valor. Além de alertar: “você quer realizar algo? Cuidado, você pode conseguir”. Tem dado bons frutos, cativando o nosso público com letras que questionam praticamente tudo, além da resenha positiva na POWERPLAY e uma bela entrevista para a FIREWORKS, ambas revistas especializadas em rock e metal na Europa. Tem uma sonoridade ácida e explosiva bem de acordo com nossos shows. Está disponível nas principais plataformas de streaming. Dizemos que é “Rock de pau duro” (rs).

Ganhamos a vida tocando releituras nas noites rock do Rio de Janeiro e infiltramos nosso som no meio do repertório. Como é em inglês dá para misturar no meio de tanto cover, e não é incomum ver as pessoas tentando acompanhar a letra sem saber ao certo que musica é... No fim das contas elas gostam de um som autoral, ali “debaixo do nariz” delas, por um três desconhecidos (rs). Além dos shows de releituras e autorais, temos alguns tributos. Eventualmente fazemos shows especiais homenageando Chris Cornell, Pearl Jam, Nirvana, Led Zeppelin... até The Who já fizemos! Somos uma banda que nasceu para viver de rock, de um jeito ou de outro.


UM - Você também tem um projeto chamado Dressed to Kiss, certo? Como é?


RS – É uma banda Tributo ao KISS. É formada pelo Monster Simmons (Monstro da Anesthesia), LouAce Frehley (Luiz Fontoura da Rio Hard Rock), Alex Singer (Alex Porto também da Rio Hard Rock) e eu como Ronnie Stanley. É a realização de um sonho de trinta anos que os integrantes tinham. Tem sido um grande aprendizado para mim - não conhecia o KISS além do óbvio - apesar de sempre ter achado o Paul Stanley o dono da maior voz do rock. Sempre o admirei. Os outros três integrantes são verdadeiras KISS'opédias, Colecionam todas as raridades possíveis sobre a banda e me ensinam muito sobre a trajetória deles. O Show é o meu limite do chamado “banda cover”, tocamos mascarados e a rigor – remetendo ao álbum Dressed to Kill – sendo praticamente um trabalho teatral mesmo. Lá o objetivo é “sermos” o KISS durante o show. O grande desafio é cantar na altura do Paul Stanley, beira o meu limite vocal. Impressionante como cresci e evoluí como vocalista nesse trabalho.


UM - Tenho que te agradecer, certa vez você publicou no Facebook "faça um favor e escute qualquer disco do Black Crowees". Sempre gostei da banda, mas depois daquilo re-escutei quase toda a discografia da banda. Boa para c***lho... E te digo uma coisa, acho o seu vocal extremamente compatível com o Black Crowes.


RS – Nossa!!! Eu adoro essa banda! Esqueci de citar o Chris Robinson como uma influência vocal. Na verdade, eles são uma das maiores influências da Made in Rock na atualidade. Lembro muito bem do auge da MTV com todo grunge e rock alternativo rolando o dia todo e, do nada, eles entram com o videoclipe de Remedy, com uma produção que lembrava muito o de Iron Man. Eu pirei! Fico impressionado como eles conseguiam nos remeter aos anos 1970 e a toda aquela aura em plenos anos 1990! É um som visceral com vários elementos tradicionais americanos como o folk, percussão dançante, piano blues... Tudo impecável! Tem até uma pitada de Black Sabbath, um verdadeiro ponto fora da curva. Puta banda!


UM - Momento treta. Você realmente pira na onda grunge. Com todo respeito, mas essa é uma cena que não me desce... Venda o teu peixe aí, por que você gosta tanto dessas bandas?


RS – Sim, eu me amarro no grunge e alternativo dos anos 1990. Tem uma importância enorme na minha formação estética e musical. Apesar de eu ter muita influência dos guitarristas virtuosos como citei antes, antes de tudo, foi no grunge que eu realmente aprendi a tocar rock. Foi Kurt Cobain que – tocando tudo meio “errado” – me ensinou a fazer power chords e tocar com atitude, sem "nojinho", entende? Na época eu não tinha nem amplificador nem pedais e era tudo na gambiarra. Ligava a guitarra em um micro system Polyvox no volume máximo para saturar e dar um som próximo a uma guitarra distorcida. Queimei esse micro system umas três vezes nessa brincadeira (rs)! Foi a música da minha adolescência, apesar de eu já gostar muito das bandas clássicas. Sabe aquela sensação nostálgica? Se for para ilustrar, o grunge foi o meu Led Zeppelin, meu Black Sabbath, respeitando as devidas proporções e diferenças, claro.

Entendo perfeitamente o fato de muitos não gostarem do grunge por diversos motivos: letras aparentemente desconexas, técnica limitada, modinhas... Realmente entendo. Mas muita coisa que me atrela ao grunge é a memória afetiva. O legal é que o grunge trouxe uma nova visão de se fazer rock, bem parecida com o punk do final nos anos 1970 e com toda aquela coisa do Do it Yourself. Além de ter dado uma bela “escovada” em todo aquele cenário já saturado do glamour e da ostentação do rock dos anos 1980. Tornou as coisas um pouco mais viscerais novamente, mas com mais acidez e menos frescura. As estruturas musicais já não eram tão regulares assim, as harmonias um tanto menos previsíveis... Isso não tem como negar! No aspecto técnico, o grunge surpreende com sequências harmônicas incomuns que te obrigam a “pensar como eles” na hora de compor um solo. Por exemplo, experimente improvisar em cima de In Bloom do Nirvana... Mas reconheço que tudo isso foi criado em grande maioria na intuição, sem muito estudo teórico. A forma de abordar solos de guitarra já não era tão virtuosa assim e muitos foram “mal feitos” mesmo, em certo ponto de vista mais crítico. Porém toda mudança no rock, por mais que possamos não gostar, são necessárias e naturais.


UM - Ronald, valeu pela participação! Deixe aí o seu último recado.


RS - Foi um prazer. Obrigado pela oportunidade de falar do meu trabalho e talvez inspirar alguns. E para galera que pensa em viver de arte, ame o que você faz. Mas ame muito! Faça bem feito, estude, especialize-se. Um trabalho bem feito chama outro. Colher os frutos vai levar tempo. Seja cover, autoral ou outra forma de arte, não desista. Quero agradecer também a todos que me apoiaram até agora. Vocês sabem quem são. “Essa vida é muito boa, o nosso trabalho é o melhor do mundo, vamos com tudo – essa é a nossa lei”.







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