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Entrevista Tito Martino


O Coluna Blues Rock tem como objetivo principal, ainda que sem remuneração, pesquisar as raízes musicais de diferentes estilos. Dentre tantos maravilhosos gêneros está o jazz, que representa como poucos a fusão de tradições europeias e africanas. A investigação profunda do jazz leva, invariavelmente, o leitor/ouvinte a uma incursão pela Nova Orleans da virada do século XIX para o XX e o dá maiores entendimentos social e histórico-musical.

Personagem importante desta música no Brasil, Tito Martino dedica-se ao jazz há sessenta anos e bateu um papo interessantíssimo com o Coluna Blues Rock. Mais do que uma conversa, um verdadeiro testemunho de quem presenciou e atuou em uma cena que nasceu e cresceu em São Paulo. "De fato, com André Busic e mais quatro amigos, criei em 1963 o Traditional Jazz Band. Com Jean Pierre Henkart (trombone), Alberto Siufi (baixo-tuba), André Busic (trompete), Sacha Kliass (washboard) e Reynaldo Mayer (banjo e guitarra). Mas até 1974 quase não havia locais em São Paulo para tocarmos o nosso Jazz. Então por iniciativa própria criei, nesse ano de 1974, o OPUS 2004: um bar/restaurante/casa de shows situado num antigo restaurante grego no numero 2004 da Rua da Consolação. O diferencial da casa era que apresentava JAZZ de segunda a sábado", recordou Tito.

O músico, que tocou dinossauros do estilo, como Oscar Peterson (!), formou e liderou a Traditional Jazz Band por vinte anos (até 1983) e agora apresenta-se com a Tito Martino Jazz Band. Esta é mais uma entrevista histórica que o Coluna Blues Rock tem o prazer em trazer, simplesmente, leiam até o final!

Ugo Medeiros – Olá, Sr. Martino, é um prazer trocar esta ideia contigo ainda que por e-mail! Nos conhecemos quando postei um vídeo sobre as origens do jazz e o Sr. criticou bastante. Por favor, não fico chateado mesmo, acho que quando é uma crítica com fundamentos torna-se algo construtivo e pedagógico! Eu sei que a história deste estilo não é algo linear e envolve diversas questões que se iniciam ainda no século XIX. Você poderia fazer, de forma resumida, um histórico da formação do jazz?


Tito Martino - Olá, é um prazer responder sobre um assunto que estudo faz uns sessenta anos. Mas para começar, pode suprimir o "Sr.", meu nome é Tito e é assim que sou conhecido e chamado no mundo artístico. Quanto à minha crítica, foi um pouco seca, como é hábito nas redes sociais, mas foi bem intencionada, pois vi teu interesse em informar. Em primeiro lugar, é preciso reconhecer que a palavra JAZZ, hoje, não significa mais nada. Foi tão abusada em sua aplicação e tão violentada em seu conteúdo que perdeu todo sentido cultural e adquiriu uma conotação principalmente comercial. Pois hoje existe a dança (ou ginástica?) jazz, o perfume Jazz, um modelo de automóvel Jazz, sem falar no Jazz-Pop, Jazz-Funk, Jazz-Rock, Jazz-Rap, Jazz-Country, Jazz-Bossa e tudo mais que puder vender melhor com a etiqueta “jazz”. Puro comércio. É muito importante notar que cada uma destas formas novas (mesmo as distorcidas!) é musicalmente válida, pois satisfaz ao seu segmento de público! Só que toda novidade merece um nome novo, por isso é que se deveria reservar o nome JAZZ somente à música nascida naquelas circunstâncias históricas, sociais, geográficas, culturais. Ou seja, seria o JAZZ ORIGINAL, tudo o mais é consequência. Agora, um breve histórico da formação do JAZZ, que você pediu...

O JAZZ ORIGINAL nasceu em New Orleans, na Louisiana, de 1900, à beira do rio Mississippi. Foi nas ruas do bairro de New Orleans chamado French Quarter - Bourbon Street, Rampart Street, Canal Street - que floresceu pela primeira vez o resultado da fusão harmoniosa de duas culturas musicais com substratos bem diferentes, e até antagônicos: a cultura europeia, racional e emocional, trazida pelos colonizadores espanhóis, franceses e ingleses; e a cultura africana, trazida pelos escravos e seus descendentes, intuitiva e sensual. Em New Orleans tudo era feito ao som de musica, desde eleições e piqueniques até paradas e funerais. Até mesmo os barcos de rodas que navegavam no Mississippi aproveitavam o vapor das caldeiras para acionar poderosos órgãos de tubo que inundavam a cidade com um som de gigantesco realejo. Nos primeiros anos do século XX os primeiros jazzmen (entre eles alguns gênios musicais como Louis Armstrong, Sidney Bechet, Jelly-Roll Morton) foram reunindo os elementos musicais que estavam à sua volta: os blues dos violeiros cegos, os cantos de trabalho dos algodoais, os ragtimes dos bailes campestres, as quadrilhas dos colonizadores europeus, valsas, mazurcas, habaneras cubanas, marchas, hinos e canções religiosas domingueiras. Tudo isto muito bem temperado com os ritmos das batucadas africanas, que persistiam nos terreiros de vodu (umbanda). E assim esses músicos pioneiros foram criando, meio sem saber, uma nova forma de expressão musical que logo recebeu o nome JAZZ. Cada um daqueles vários elementos musicais tem uma estrutura musical própria, que foi muito bem assimilada pelos precursores. Sem dúvida há muita improvisação, mas é uma improvisação dirigida, organizada, com limites musicais muito bem definidos. No Jazz é mais importante COMO se toca do que O QUE se toca. Estas são as RAÍZES DO JAZZ.


UM – Você começou no piano clássico, correto? O piano é o instrumento que dá um maior senso musical ao estudante?


TM - Não, minha carreira de pianista começou aos doze anos de idade e terminou meses depois, quando desmontei o piano da professora para ver como funcionava. Meu primeiro instrumento no JAZZ foi o banjo, que sim, dá um maior senso musical e harmônico.


UM – Como o jazz entrou na tua vida?


TM - Comecei a tocar banjo em 1957, como brincadeira de estudante, aprendi com um colega de cursinho, um polonês, recém chegado de Londres, que tocava Jazz por lá. Ele tocava banjo, cornet e bateria, me ensinou o que é o Jazz e formamos meu primeiro conjunto. Neste mesmo ano, assisti da primeira fila um concerto de Louis Armstrong, em São Paulo, e assim fui batizado com os respingos do suor do Mestre do Jazz e descobri que o Jazz clássico é um tesouro cultural. Quando entrei no ITA, em 1958, um veterano me fez aprender a tocar clarinete de trote (ele era clarinetista) e assim comecei minha carreira de clarinetista de Jazz. Quando mudei para a Politécnica, em 60, comecei a criar um conjunto, que depois batizei de Traditional Jazz Band, o original, do qual fui o band-leader durante vinte anos, até 1983. Agora toco com o TITO MARTINO JAZZ BAND.


UM – Eu gosto do dixieland jazz, o jazz legítimo de Nova Orleans, é justamente o qual você se dedica. Neste exato momento escuto o disco Tito Martino & friends. Adoro a formação com banjo e clarinete! Poderia falar um pouco esse tipo de formação?


TM - Dixieland é um dos seis diferentes modos de tocar o Jazz Tradicional. A formação nesse CD com banjo ou violão e clarinete mas sem piano é muito habitual. No caso foi criada para aproveitar a passagem pelo Brasil de um grande amigo meu, o trombonista Jean-Pierre Henkart que mora no exterior. Esse tipo de formação dá muita margem a improvisações individuais e coletivas, que é o que mais valoriza esse CD.


UM – Você, ao lado do grande André Busic, foi um dos responsáveis pela formação de uma cena jazzística em São Paulo. Poderia falar sobre aquela cena?


TM - De fato, com André Busic e mais quatro amigos, criei em 1963 o Traditional Jazz Band. Com Jean Pierre Henkart (trombone), Alberto Siufi (baixo-tuba), André Busic (trompete), Sacha Kliass (washboard) e Reynaldo Mayer (banjo e guitarra). Mas até 1974 quase não havia locais em São Paulo para tocarmos o nosso Jazz. Então por iniciativa própria criei, nesse ano de 1974, o OPUS 2004: um bar/restaurante/casa de shows situado num antigo restaurante grego no numero 2004 da Rua da Consolação. O diferencial da casa era que apresentava JAZZ de segunda a sábado. As apresentações de jazz bands de diversos estilos, mas principalmente de JAZZ TRADICIONAL, foram muito divulgadas na imprensa e na televisão e a casa logo foi um grande sucesso. Todas as noites, nos intervalos, eram projetados filmes mudos em preto e branco (Chaplin ou O Gordo & o Magro), às vezes os filmes eram musicados ao vivo pelo pianista Fernando Tancredi, como nos velhos tempos do cinema mudo. O porteiro, muito parecido com o Louis Armstrong, era o muito simpático e querido Balbino, que recebia os frequentadores "vestido a caráter" e deixava entrar escondida a garotada, parentes dos músicos. O OPUS 2004 durante mas de dez anos não teve concorrente neste campo de atividade musical e tornou-se conhecido nos Estados Unidos, pois muitos grandes jazzistas americanos contratados para tocar nos teatros mais importantes de São Paulo já vinham com um papelzinho no bolso com o endereço do OPUS 2004 e depois de seus shows "oficiais" iam "dar canja" na casa. Em 1983 fui morar na Europa, durante minha ausência a casa mudou de mãos, perdeu suas características e acabou fechando em 1993. Mas as noitadas musicais magníficas e a atmosfera de “templo do jazz” ainda são lembradas com saudade por quem teve a sorte de conhecer a cena jazzística do OPUS 2004 no seu auge.

UM – Você se lembra da sua primeira viagem musical aos EUA, digo, focada integralmente para assimilar aprendizados histórico-musicais?


TM - Em 1974 organizei para minha banda, a Traditional Jazz Band original, uma mini-temporada para tocar em três cidades, que se ampliou para mais de oito apresentações. A ideia não era estudar, mas apresentar a banda em New York, Washington e Miami, e ao mesmo tempo conhecer locais e personagens ligados às origens do jazz tradicional em New Orleans. Isso fizemos e aprendemos muita coisa, ao mesmo tempo que tocamos em alguns clubes de jazz e teatros importantes. O resultado foi que a banda tocou tão bem que surpreendeu e emocionou o publico e também os críticos de jazz do New York Times e do Washington Post, que publicaram excelentes comentários sobre nossos shows. E isso motivou um promotor artístico a nos convidar para o Festival Internacional de Jazz de New Orleans, no ano seguinte. O sucesso foi ainda maior.


UM – Você teve a oportunidade de tocar com diversas referências do jazz internacional. Poderia falar sobre os momentos/parcerias mais marcantes?


TM - Aqui em São Paulo toquei com Oscar Peterson, Teddy Wilson, Cat Anderson, Bob Wilber, Rufus Jones; nos Estados Unidos com os Dukes of Dixieland, que tinham Louis Barbarin na bateria e o pistonista negro Alvin Alcorn que tocou com Kid Ory. Foi ele que depois da jam, bateu no meu ombro e disse: ”Know what, shorty? You’re Black inside!” [Sabe o que, baixinho? Você é preto por dentro!]. Na Suíça toquei com o grande Louis Nelson, trombonista de New Orleans, e com grandes jazzistas europeus. O Oscar Peterson disse ao cônsul norte-americano depois de tocar conosco: “I can´t believe! It looks like my days in Chicago!”. Por pura sorte, esta jam session foi gravada e está no Youtube. Também foi gravada a jam com Louis Nelson no Festival de Jazz de Ascona, na Suiça. Foi lá que o Hermeto Pascoal me convidou para subir ao palco e tocou um blues bem tradicional comigo.


UM – Como já falamos anteriormente, você se dedica àquele jazz primordial dos anos 1920/30. Qual a sua opinião sobre aquele jazz “intelectualizado”, avant-garde?


TM - O jazz primordial dos anos 20/30 pode ser tocado de seis modos ou estilos diferentes. A musica tocada por cada artista se identifica com seus ideais e conceitos ou preconceitos e reflete suas afinidades estéticas e artísticas. Então cada artista usa seus talentos e suas limitações de maneira muito pessoal. Cada um toca o que gosta, e toca com que pode. Assim sendo, não tenho opinião sobre o que cada jazzista toca. Observo apenas se ele é autêntico ou se está prestando "tributo", vejo se comunica emoções ou se só está a fim de faturar em cima de uma moda. E esclareço outra vez que, para mim, toda expressão musical (ou anti-musical) tem seu valor, desde que tenha um público. O músico que se identifica com o jazz tradicional, toca Jazz tradicional. O público que se identifica com o jazz tradicional, ouve e acompanha o Jazz Tradicional.


UM – Na tua opinião o Wynton Marsalis, hoje, é o grande representante da tradição jazzística? Além de exímio músico, tem um conhecimento enciclopédico da história e possui uma oratória fenomenal...


TM - O Winton Marsalis é um artista que se identifica com diversas vertentes da música, desde os clássicos até o jazz dito "avant-garde", passando pelo jazz tradicional. Tem um valor imenso como divulgador da cultura do jazz e nisso é insuperável. Ele é representante de todas essas vertentes musicais pois tem cultura, conhecimento e talento musical em todas essas formas.


UM – Por falar nos dias atuais, quem mais te chama atenção no jazz nacional e internacional?


TM - No Jazz Tradicional nacional temos poucas bandas estruturadas e estáveis no país, mas todas têm grande valor. Que me lembre, temos em Belo Horizonte o Happy Feet Jazz Band de Marcelo Costa, em São Paulo o Paulistânia Swing Band e o Fizz Jazz, no Rio até pouco tempo tinha o Orleans Original Jazz Band e o São Jorge Brass Band do pistonista americano Tom Ashe. Me parece que tem uma banda em Natal e uma em Porto Alegre. Me desculpem se esqueci alguma, gostaria de saber. No panorama internacional, o maior expoente é de longe e sem sombra de dúvida o conjunto Tuba Skinny, da cornetista e pianista Shaye Cohn, sobrinha do grande saxofonista pioneiro Al Cohn.


UM – Infelizmente essa pandemia prejudicou demais a atividade musical, mas você tem planos? Digo, discos, turnês, novas incursões por Nova Orleans...


TM - Sim sobram os planos para o futuro! Assim que abrirem os bares, já temos shows aguardando data no All of Jazz, no Raiz e no Jazz B, e em diversos eventos e clubes. Espero ver vocês lá! Acompanhem a programação pelo meu site www.titomartinojazz.com.br. E,sim, com certeza vai sair a gravação programada faz um ano....




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